Esta nota técnica fornece uma visão geral e uma análise das recomendações feitas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa e pelo seu Secretariado no contexto da supervisão da execução dos acórdãos relativos à sobrelotação das prisões proferidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Destina-se a apoiar os profissionais do direito e as organizações da sociedade civil que trabalham no domínio prisional nas suas acções de defesa e de resolução de litígios perante os órgãos do Conselho da Europa.
índice
Introdução >>
1. Referência ao trabalho do Conselho da Europa e das Instituições Nacionais de Direitos Humanos >>
2. Promoção de uma estratégia global que envolva todos os participantes relevantes >>
3. Estratégias centradas na prisão preventiva, nas penas de curta duração e nos fluxos de entrada nas prisões >>
4. Menor atenção dedicada à duração da privação da liberdade e à libertação antecipada >>
Introdução
Este documento tem por objetivo apresentar uma visão geral da posição do Comité de Ministros do Conselho da Europa (CM) e do seu Secretariado quanto ao problema estrutural da sobrelotação das prisões.
Para o efeito, procede à análise das recomendações do CM e do seu Secretariado em 13 países selecionados: Bélgica, Bulgária, França, Grécia, Hungria, Itália, Moldávia, Polónia, Portugal, Roménia, Rússia, Eslovénia e Ucrânia.[1] Apenas as notas e as decisões adotadas até setembro de 2023 foram analisadas. Os documentos mais recentes não foram considerados.
Nos casos selecionados, alguns dos quais de acórdãos-piloto ou quase-piloto,[2] o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) considerou a sobrelotação das prisões um problema estrutural ou complexo, que teria de ser resolvido através da adoção de medidas substanciais.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem por vezes dado orientações quanto à forma de fazer face a este problema. Essas orientações podem ir desde medidas específicas a adotar dentro de determinado prazo (por exemplo, no caso de acórdãos-piloto, assegurar vias de recurso efetivas às pessoas privadas da liberdade que pretendam apresentar queixa relativa às condições de privação da sua liberdade, ver Torreggiani e Outros c. Itália, n.º 43517/09, 2013, §§ 96-99), até considerações mais amplas sobre as políticas penais dos Estados (ver, em particular, Orchowski c. Polónia, em que o TEDH considerou que “[s]e o Estado não é capaz de assegurar que as condições de privação da liberdade cumprem os requisitos do artigo 3.º da Convenção, deve abandonar a sua política penal rigorosa de modo a reduzir o número de reclusos ou introduzir um sistema de sanções alternativas”, Orchowski c. Polónia, n.º 17885/04, 2009, § 153; ver igualmente Torreggiani, § 95).
Apesar destas indicações, o TEDH tem reiteradamente salientado que o CM está “em melhor posição” para dar orientações quanto à forma como um Estado deve organizar o seu sistema penal ou efetuar reformas prisionais (Sukachov c. Ucrânia, n.º 14057/17, 2020, § 145; ver também Torreggiani, §§ 94-95).
O CM reúne-se a nível de delegados dos ministros quatro vezes por ano para analisar os progressos alcançados em sede de execução numa série de casos (“Reuniões DH”). A análise baseia-se nos relatórios de progresso elaborados pelo Governo (“Planos de ação”, “Relatório de ação”) e nas informações apresentadas por organizações não governamentais (ONG) e por instituições nacionais de direitos humanos (INDH).
Deve fazer-se uma distinção entre duas fontes principais. Em primeiro lugar, as decisões adotadas pelo CM (“decisões do CM”), que constituem os documentos de referência para se compreender a posição do Comité.
Em segundo lugar, as notas elaboradas pelo Secretariado do CM (“Notas”) antes da reunião DH, com base na documentação recebida dos governos, das ONG e das INDH. Estas notas fazem uma descrição e uma análise da situação no país em causa, bem como das medidas adotadas ou previstas pelas autoridades nacionais. Contêm também um conjunto de propostas que se submetem à consideração do Comité. Estas notas não são vinculativas, mas podem ser utilizadas para interpretar a decisão do CM.[3]
Nestas fontes selecionaram-se apenas os elementos respeitantes à sobrelotação das prisões (não tendo sido considerados elementos relativos às condições materiais de privação da liberdade ou pormenores das medidas adotadas sem relação com a sobrelotação).
1. Referência ao trabalho do Conselho da Europa e das Instituições Nacionais de Direitos Humanos
O CM promove soluções apresentadas no âmbito de outros trabalhos do Conselho da Europa (CdE) em matéria de sobrelotação das prisões e políticas prisionais, tais como recomendações (Recomendação Rec(99)22 relativa à sobrelotação das prisões e à inflação da população prisional, Recomendação Rec(2000)22 relativa à melhoria da implementação das regras europeias em matéria de sanções e medidas comunitárias, Recomendação Rec(2003)22 relativa à liberdade condicional e Recomendação Rec(2006)13 relativa ao recurso à prisão preventiva, às condições em que esta tem lugar e à previsão de salvaguardas contra abusos – ver, por exemplo, relativamente à Eslovénia, 1259.ª reunião, Notas, 2016), um Livro Branco (Comité Europeu para os Problemas Criminais, Livro Branco sobre a Sobrelotação das Prisões, 2016, ver, por exemplo, relativamente à Roménia, 1362.ª reunião, Notas, 2019; 1398.ª reunião, Notas, 2021; 1468.ª reunião, Notas, 2023), posições do CPT (seja dirigidas a um país específico, seja com relevância mais ampla – por exemplo, o Relatório Anual do CPT para 2021, que promove a utilização de “um sistema jurídico vinculativo de regulação das prisões” para combater a sobrelotação das prisões, ver relativamente a Portugal, 1475.ª reunião, Notas, 2023), ou assistência técnica prestada pelo CdE (por exemplo, o Plano de Ação do Conselho da Europa para a República da Moldávia 2021–2024, financiado pelo Programa N.º 18 do Fundo Fiduciário para os Direitos Humanos (HRTF) – ver relativamente à Moldávia: 1265.ª reunião, Decisão do CM, 2016; relativamente à Rússia: 1157.ª reunião, Notas, 2012).
Os relatórios das INDH são igualmente mencionados como fontes de inspiração úteis que complementam as fontes do CdE (ver relativamente à Bulgária: 1172.ª reunião, Decisão do CM, 2013, em que o CM convida as autoridades a “terem em devida conta […] as recomendações relevantes formuladas pelos organismos de controlo a nível nacional e internacional, incluindo o CPT e o Provedor de Justiça”; relativamente a Portugal: 1475.ª reunião, Decisão do CM, 2023, em que o CM convida as autoridades a recorrerem “plenamente aos conhecimentos especializados, ao trabalho e aos instrumentos pertinentes do Conselho da Europa e às recomendações do Mecanismo Nacional de Prevenção”).
2. Promoção de uma estratégia global que envolva todos os participantes relevantes
O CM afirma claramente que o combate à sobrelotação das prisões exige a implementação de uma estratégia global que envolva todos os intervenientes relevantes e se destine a abordar vários aspetos desse fenómeno, através de alteração às políticas, atividades de sensibilização junto dos intervenientes relevantes, medidas organizacionais com impacto nos regimes de privação da liberdade e intervenções no parque prisional.
Embora o poder judicial seja destacado como “o único interveniente que pode ordenar a libertação ou a alteração da pena e, deste modo, agir sobre as “fontes” de violações do artigo 3.º” (citação relativa à França, 1411.ª reunião, Notas, 2021), todos os participantes relevantes na área penal devem ser envolvidos (ver, relativamente à Bélgica: “procuradores, juízes de instrução e de execução de penas, administração prisional e serviços de reinserção social ”, 1436.ª reunião, Notas, 2022; relativamente à Grécia: 1288.ª reunião, Notas, 2017, em que o Secretariado apela para uma “reponderação do sistema penal e da interação entre o legislador (sistema sancionatório), o poder judicial (penas) e o sistema correcional (condições de privação da liberdade)”; relativamente a Portugal: 1475.ª reunião, Notas, 2023, em que o Secretariado sublinha o “claro valor acrescentado de se proceder à consulta de todos os participantes” no processo e faz referência direta ao contributo dos “agentes da sociedade civil, que oferece uma visão sólida das causas profundas dos problemas e do tipo de ação que pode fazer-lhes face”).
Muitas vezes essa estratégia não existe nos países que são objeto da análise do Comité de Ministros e a mesma é frequentemente recordada como passo necessário para fazer face ao problema da sobrelotação das prisões (ver, por exemplo, relativamente à França: 1451.ª reunião, Notas, 2022 e Decisão do CM; relativamente à Ucrânia: 1475.ª reunião, Notas, 2023 e Decisão do CM; relativamente a Portugal: 1475.ª reunião, Notas, 2023 e Decisão do CM). Os exemplos analisados mostram que tal estratégia deve abordar a questão da sobrelotação das prisões através de medidas com impacto no direito penal (para limitar o recurso à prisão), no direito processual (para garantir o acesso dos reclusos a recursos efetivos) e no parque prisional (para melhorar as condições materiais de privação da liberdade).
Um exemplo de implementação deste tipo de estratégias pode ser encontrado na Rússia, nas fases iniciais da execução do acórdão Ananyev e outros c. Rússia (n.º 42525/07, 2012), quando o CM “registou com satisfação que o plano de ação se baseia numa estratégia global e de longo prazo para a resolução do problema estrutural identificado pelo Tribunal” (1157.ª reunião, Notas, 2012 e Decisão do CM). Este plano de ação abrangia ao mesmo tempo “medidas destinadas a um recurso mais amplo a medidas alternativas à privação da liberdade; [m]edidas destinadas a melhorar as condições materiais de privação da liberdade; [e] [m]edidas destinadas à criação de recursos internos compensatórios e preventivos e a melhorar os existentes” (idem). Apesar da sua “satisfação” inicial com as medidas adotadas pelas autoridades, na sua mais recente análise do caso sete anos depois, o CM observou “com preocupação que o [TEDH] continua a proferir acórdãos em que constata a sobrelotação em vários locais de privação da liberdade e convidou as autoridades a fornecerem informações sobre as medidas tomadas para fazer face a este problema” (1348.ª reunião, Decisão do CM, 2019).
Do mesmo modo, as medidas adotadas pelas autoridades italianas para execução do acórdão-piloto no caso Torreggiani (concluído em 2016) são, por vezes, mencionadas pelo Secretariado como “fonte de inspiração” para outros países (ver, por exemplo, relativamente à Hungria: 1250.ª reunião, Notas, 2016; relativamente à Eslovénia: 1259.ª reunião, Notas, 2016).
Como realçado pelo Secretariado, as autoridades italianas adotaram medidas em três linhas de ação: medidas de política penal para aumentar o recurso a alternativas à prisão e limitar o recurso à pena de prisão e à prisão preventiva, medidas organizacionais para melhorar as condições de vida dos reclusos e renovação das prisões (1214.ª reunião, Notas, 2014).
O CM deixa bem claro que as medidas destinadas a aumentar os lugares nas prisões, tomadas isoladamente, não são suscetíveis de resolver a questão da sobrelotação (ver, relativamente à França: 1451.ª reunião, Notas, 2022; relativamente à Bélgica: 1475.ª reunião, Notas, 2023 e Decisão do CM) – embora possam fazer parte da solução, quando sejam tomadas em paralelo com outras iniciativas políticas (ver, relativamente à Grécia: 1172ª reunião, Notas, 2013; relativamente à Roménia: 1122.ª reunião, Notas, 2015).
3. Estratégias centradas na prisão preventiva, nas penas de curta duração e nos fluxos de entrada nas prisões
Em várias notas do Secretariado e decisões do CM, coloca-se a tónica em “políticas destinadas a limitar ou moderar o número de pessoas enviadas para a prisão”, o que, nalguns casos, é visto como a “única forma viável de controlar a sobrelotação” (citações relativas à Hungria: 1250.ª reuniões, Notas, 2016, o Secretariado cita o relatório de visita do CPT publicado em 2014, § 39).
São, portanto, frequentemente promovidas alternativas à pena de prisão e à prisão preventiva (recorrendo a sanções alternativas ou a medidas de coação alternativas). Este é, por exemplo, o principal foco da intervenção do CM relativa à Hungria, em que considera que as alternativas à privação da liberdade são “subutilizadas” (1377.ª bis reunião, Notas, 2020; 1310.ª reunião, Notas, 2018). Este aspeto tem também sido mencionado como parte do problema noutros países, como a Ucrânia (1390.ª reunião, Notas, 2020 e Decisão do CM , 2020), a França (1451.ª reunião, Notas, 2022 e Decisão do CM ), a Moldávia (1186.ª reunião, Nota, 2013 e Decisão do CM) e a Eslovénia (1259.ª reunião, Notas, 2016 e Decisão do CM), entre outros. A recomendação de que se recorra mais amplamente a alternativas à privação da liberdade é igualmente formulada relativamente a Portugal, apesar de o país ter uma das taxas de entrada nas prisões mais baixas dos países do Conselho da Europa – o que sugere que o seu problema de sobrelotação tem causas diferentes (1475.ª reunião, Decisão do CM, 2023).
As alternativas à prisão preventiva foram especificamente recomendadas ou analisadas em países onde a frequência e a duração da prisão preventiva foram consideradas um problema grave – ver, em especial, os casos da Polónia (1164.ª reunião, Notas, 2013 e Decisão do CM), da Grécia (1390.ª reunião, Notas, 2020) ou da Rússia (1288.ª reunião, Notas, 2017).
Entre as medidas implementadas pelos países analisados ou recomendadas pelo CM ou pelo Secretariado, encontramos uma maior utilização da vigilância eletrónica como alternativa à prisão “preventiva, como pena autónoma ou como meio de execução da pena” (citação relativa à Bélgica, tendo o recurso mais amplo a esta medida sido registado “com interesse” tanto pelo Secretariado quanto pelo CM: 1475.ª reunião, Notas, 2023 e Decisão do CM).
Os documentos examinados não demonstram qualquer análise crítica da utilização desta medida. Em dois processos concluídos (Polónia, Itália), foi implementado um maior recurso à vigilância eletrónica para penas de curta duração, tendo esta sido mencionada como parte de um conjunto mais vasto de medidas que obtiveram alguns resultados no domínio da sobrelotação (ver, relativamente à Polónia: 1265.ª reunião, Resolução, 2016, a resolução menciona o mais recente plano de ação apresentado, que indica que a vigilância eletrónica pode ser decretada como alternativa a penas privativas da liberdade até um ano; relativamente à Itália: 1201.ª reunião, Notas, 2014).
Noutros processos pendentes, a implementação de um recurso mais amplo à vigilância eletrónica é recomendada como forma de diminuir a sobrelotação (ver, relativamente à Bélgica: 1475.ª reunião, Decisão do CM, 2023, acima mencionada – esperava-se que o recurso alargado a alternativas à privação da liberdade, incluindo a vigilância eletrónica, “contribuísse para reduzir a população prisional” já há seis anos, ver 1302.ª reunião, Notas, 2017; relativamente à Roménia: 1310.ª reunião, Decisão do CM, 2018). Conjuntamente, formula-se uma recomendação de reforço do serviço de reinserção social (ver, relativamente à Bélgica: 1475.ª reunião, Decisão do CM, 2023; relativamente à Roménia: 1362.ª reunião, Notas, 2019, em que o Secretariado lamenta que o serviço de reinserção social “continue a ter uma grave falta de pessoal, apesar do seu contributo fundamental para desviar mais de 100 000 pessoas do sistema prisional, o que faz com que o seu funcionamento eficaz seja essencial para o êxito a curto e a longo prazo da estratégia da Roménia contra a sobrelotação”; ver também o caso da Eslovénia, em que uma das medidas tomadas foi a da criação de um serviço de reinserção social: 1294.ª reunião, Notas, 2017).
Outras medidas incluem intervenções específicas no direito penal para garantir que “a prisão é uma medida de último recurso” (citação relativa à Moldávia: 1406.ª reunião, Notas, 2021). Isto foi feito relativamente a contravenções, por exemplo, pela Itália (1150.ª reunião, Notas, 2012 e Decisão do CM) ou pela Polónia (1265.ª reunião, Resolução, 2016, que menciona o mais recente plano de ação), foi previsto pela Grécia em 2020 no quadro de uma reforma “destinada a aplicar uma política penal mais moderada” (1390.ª reunião, Nota, 2020 e Decisão do CM), e foi considerado necessário na primeira análise da execução pela Hungria do acórdão-piloto em Varga e Outros c. Hungria (n.º 14097/12, 2015; ver 1236.ª reunião, Notas, 2015: o Secretariado afirmou que é necessário desenvolver alternativas à privação da liberdade, atento o facto de as contravenções serem frequentemente punidas com medidas privativas da liberdade). Relativamente à Bélgica, o CM utilizou uma redação alternativa, sugerindo “reduzir o número de casos de prisão previstos na lei” (1475.ª reunião, Decisão do CM, 2023).
Outra medida que parece ter ganho importância em decisões mais recentes é o estabelecimento de um controlo da população prisional juridicamente vinculativo. Esta medida foi referida como tendo sido tomada pelas autoridades eslovenas na sua “estratégia nacional multifacetada para combater o problema da sobrelotação” (1294.ª reunião, Notas, setembro de 2017: os reclusos do estabelecimento prisional de Liubliana seriam automaticamente transferidos para outras prisões quando essas instalações atingissem a sua capacidade máxima) e foi recomendada em relação à França (1451.ª reunião, Decisão do CM, 2022: o CM convidou as autoridades a “ponderarem novas medidas legislativas que regulem a população prisional de forma mais vinculativa”) e à Bélgica (1475.ª reunião, Decisão do CM, 2023: o CM convidou as autoridades a “ponderarem prontamente medidas vinculativas para regular a população prisional”).
O Secretariado previu uma medida semelhante também para Portugal, mas esta não consta da decisão do CM (1475.ª reunião, 19-21 de setembro de 2023: comparar as Notas, que sugerem a introdução de um “sistema jurídico vinculativo de regulação prisional, a ser ativado assim que ocorram situações de sobrelotação […] por exemplo, através da introdução de um limite máximo absoluto para o número de reclusos em cada estabelecimento prisional”, e a decisão do CM, que se limita a apelar para as autoridades para que estas façam “uso de todos os meios disponíveis ao abrigo da legislação em vigor para limitar as entradas no sistema prisional”).
4. Menor atenção dedicada à duração da privação da liberdade e à libertação antecipada
As reformas dos Estados para reduzir a duração das penas incidem principalmente sobre as infrações de menor gravidade, como ilustra a reforma adotada pela Itália, que introduziu “penas mais brandas para infrações de menor gravidade relacionadas com a droga” (1201.ª reunião, Notas, 2014) ou pela Grécia, que aboliu as “contravenções” (1390.ª reunião, Notas, 2020).
A questão das penas de longa duração raramente é abordada.
Em duas ocasiões, estas são brevemente mencionadas como fator de sobrelotação. Relativamente à França, após ter sublinhado o impacto das penas de curta duração na sobrelotação, o Secretariado acrescentou que as penas mais longas contribuem para a “sobreocupação dos locais de reclusão ao longo do tempo” (1451.ª reunião, Notas, 2022). Relativamente à Roménia, o Secretariado receia que “penas mais longas para reincidentes e condições mais rigorosas de acesso à liberdade condicional” possam anular o impacto positivo de um recurso mais amplo à vigilância eletrónica (1310.ª reunião, Notas, 2018).
A questão é abordada de forma mais pormenorizada relativamente à Grécia: reagindo a uma reforma do Direito penal que prevê penas mais severas para um certo número de infrações penais graves, o Secretariado declarou que “o aumento da punitividade no nível superior da escala penal não pode ser compensado por uma diminuição mais modesta no nível inferior” e que tal política “se traduz geralmente no aumento das taxas de reclusão e, consequentemente, não pode combater o problema da sobrelotação das prisões de forma consistente” (1428.ª reunião, Notas, 2022).
São mais frequentes os exemplos de melhorias nos mecanismos de alteração das penas, seja sob a forma de recomendações a implementar (ver, relativamente à Bélgica: 1355.ª reunião, Decisão do CM, 2019; relativamente à Moldávia: 1406.ª reunião, Decisão do CM, 2021; relativamente a Portugal: 1475.ª reunião, Decisão do CM, 2023), seja sob a forma de avaliação positiva das medidas adotadas pelas autoridades (ver, relativamente à Bulgária: 1411.ª reunião, Notas, setembro de 2021, no seguimento de uma reforma que veio permitir que os reclusos peçam a liberdade condicional diretamente ao tribunal competente e flexibilizar as condições de acesso à liberdade condicional por parte dos reincidentes; relativamente à Itália: 1214.ª reunião, Notas, 2014, no que diz respeito a uma reforma que aumentou as possibilidades de os reclusos beneficiarem de libertação antecipada sob supervisão, aumentando o número de dias de prisão por semestre que conferem a um recluso direito à libertação antecipada; relativamente à Roménia: 1348.ª reunião, Notas, 2019 e Decisão do CM, no que diz respeito a uma reforma relacionada com a liberdade condicional que contribuiu para reduzir o número de reclusos; relativamente à Grécia: 1230.ª reunião, Notas, 2015, em que o Secretariado sugere que se complementem com alternativas à prisão preventiva as medidas existentes destinadas a “limitar o número de pessoas enviadas para a prisão em execução de uma pena (alternativas à prisão) e assegurar uma redução da população de reclusos condenados através de suspensão da execução das penas de prisão ou de regimes de libertação antecipada”).
Foram também feitas recomendações no sentido de tornar permanentes as medidas temporárias adotadas durante a pandemia de COVID-19. Estas medidas resultaram muitas vezes numa diminuição da população prisional no seguimento da implementação de regimes de alteração das penas (ver relativamente a Portugal: 1398.ª reunião, Notas, 2021 e Decisão do CM com o CM a recomendar que se tornasse permanente a “execução mais flexível das penas”, descrita pelo Secretariado nas suas notas como “perdão parcial das penas de prisão, concessão de licença administrativa extraordinária, remissões de pena e libertação condicional” – esta recomendação não foi reiterada na análise do caso em 2023). Relativamente à Bélgica (que implementou medidas semelhantes sob a forma de suspensão da execução de penas e de libertação antecipada, o Secretariado limitou-se a observar que “a oportunidade que se apresentou durante a primeira vaga de COVID-19 foi aproveitada, mas os seus efeitos não se mantiveram ao longo do tempo”, o que não pode ser interpretado como uma recomendação para prolongar as medidas (1398.ª reunião, Notas, 2021, negrito nosso: as medidas são mencionadas na informação da INDH citada na nota de rodapé n.º 15 das Notas do Secretariado).
Com a questão da sobrelotação como fenómeno demográfico e a questão dos direitos processuais dos reclusos concorre a questão das medidas compensatórias a implementar pelas autoridades: em numerosas ocasiões, o CM sugeriu a implementação de medidas que concedessem compensações sob a forma de redução de penas para os reclusos mantidos em más condições de privação da liberdade (o exemplo citado a este respeito é a medida implementada em Itália , analisada pelo TEDH na sua decisão em Stella c. Itália (n.º 49169/09, 2014) como tendo “a inegável vantagem de ajudar a resolver o problema da sobrelotação, acelerando a libertação dos reclusos”, ver também 1201.ª reunião, Decisão do CM, 2014; ver, relativamente à Rússia: 1288.ª reunião, Decisão do CM, 2017; relativamente à Roménia: 1362.ª reunião, Decisão do CM, 2019 em que o CM lamenta “a abolição da medida introduzida para compensar, sob a forma de reduções de pena, as pessoas” sujeitas a más condições de privação da liberdade).
[1] Os países e os casos correspondentes são os seguintes: Bélgica: Vasilescu c. Bélgica, n.º 64682/12, 25 de abril de 2014; Bulgária: Neshkov c. Bulgária, n.º 36925/10, 27 de janeiro de 2015 & Keyahov c. Bulgária, n.º 41035/98, 18 de janeiro de 2005; França: J.M.B. e outros c. França, n.º 9671/15, 30 de janeiro de 2020; Grécia: Nisiotis c. Grécia, n.º 34704/08, 10 de fevereiro de 2011; Hungria: Varga e outros c. Hungria, n.º 14097/12; Itália: Torreggiani c. Itália, n.º 43517/09, 8 de janeiro de 2013 & Sulejmanovic c. Itália, n.º 22635/03, 16 de julho 2009; Moldávia: Ciorap c. Moldávia, n.º 12066/02, 19 de junho de 2007 & I.D. c. Moldávia, n.º 47203/06, 30 de novembro de 2010; Polónia: Orchowski c. Polónia, n.º 17885/04, 22 de outubro de 2009 & Norbert Sikorski c. Polónia, n.º 17599/05, 22 de outubro de 2009; Portugal: Petrescu c. Portugal, n.º 23190/17, 3 de dezembro de 2019; Roménia: Rezmiveș c. Roménia, n.º 61467/12, 25 de abril de 2017 & Bragadireanu c. Roménia, n.º 22088/04, 6 de dezembro de 2007; Rússia: Ananyev c. Rússia, n.º 42525/07, 1 de outubro de 2012; Eslovénia: Mandic c. Eslovénia, n.º 5774/10, 20 de janeiro de 2012; Ucrânia: Sukachov c. Ucrânia, n.º 14057/17, 30 de janeiro de 2020. Ver os Anexos para mais pormenores sobre os casos.
[2] Os acórdãos-piloto são proferidos quando a questão em causa, devido ao seu carácter estrutural ou sistémico, dá origem a um número importante de queixas semelhantes. Nestes acórdãos, o Tribunal pode dar indicações quanto às medidas a adotar pelo Estado requerido dentro de determinado prazo. O procedimento de acórdão-piloto permite que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) adie a apreciação das queixas conexas. Ver a Ficha informativa sobre os acórdãos-piloto elaborada pelo TEDH.
[3] Para mais pormenores, ver iGuide: Procedimentos e métodos de trabalho do Comité de Ministros, parte III. 5: “A documentação [da reunião] inclui os documentos de base necessários para o debate e as Notas sobre a ordem do dia contendo os projetos de decisão. O Secretariado só elabora Notas sobre a ordem do dia quando estas trazem valor acrescentado à discussão entre os delegados dos ministros e/ou quando são necessárias para preparar a decisão dos delegados dos ministros”; ver igualmente Execução dos acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Um Manual para ONG, lesados e pessoas que lhes prestam aconselhamento jurídico, p. 14: “Estas notas contêm sumários dos processos e de quaisquer questões suscitadas, bem como projetos de decisões do CM sobre cada processo”.
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